Por Paulo Gustavo
Publicado em 04.11.2007 - Edição 474
Matéria da Folha de S.Paulo publicada em 23 de setembro deste ano informa que grandes empresas estão investindo em cursos de capacitação para seus profissionais, só que, dessa vez, em áreas do universo cultural e, mais especificamente, das chamadas Humanidades. São cursos de Teatro, Filosofia, Música, Mitologia Grega..., que, para surpresa de muitos, estão temperando o cardápio das ações de Recursos Humanos.
Subestimadas por uma estreita e pragmática visão de mundo, as Humanidades no Brasil parece que começam a dar a volta por cima, ainda que de forma episódica, pontual e utilitarista. Gestores e profissionais principiam a se dar conta de que o Humano nas empresas não deve se limitar à gestão de pessoas ou a palestras motivacionais. Num país em que os horizontes dos executivos ainda são, em sua maioria, culturalmente curtos — de resto, uma característica socioeducacional do próprio povo —, a notícia pode parecer estranha. Na verdade, tal investimento profissional atrela-se às exigências de uma sociedade globalizada em que o conhecimento é uma poderosa ferramenta de trabalho.
Essa parceria amplia a produtividade, proporciona um melhor trabalho em equipe e desempenho social e humano dos profissionais, que, assim, ganham olhos para a transversalidade, a interdisciplinaridade e um contexto mais amplo, passando a enxergar melhor além das fronteiras de cada um.
O que ainda engatinha no Brasil já de há muito caminha com desenvoltura nos países desenvolvidos, onde não é incomum que os executivos tenham formação em áreas tão distintas quanto Filosofia e Finanças, História e Psicologia. Dispensável dizer o quanto uma formação múltipla frutifica resultados e uma antenada visão de mundo.
Conhecimentos, idéias e metáforas, ao migrarem de um campo para outro, enriquecem o pensamento e melhoram o desempenho, geralmente e cada vez mais, um desempenho multifuncional e, lato sensu, multicultural, que não se esgota, pela própria dinâmica em que prospera, em áreas específicas de atuação.
O universo das Humanidades e das Artes, apesar de visto com um viés dicotômico que o opõe às atividades mais pragmáticas, não é um pólo contraditório a qualquer prática profissional, tampouco às práticas gerenciais e funcionais das diversas áreas. Ao perceberem formas, subjetividades, discursos, mitos, contrastes, polifonias, com a abertura para o novo e a criatividade, as Humanidades têm muito a dizer a quem precisa lidar com um mundo em que a estética e a inovação — como já foi observado — se inserem como constituintes, em que humanos e objetos se confundem em novos e insuspeitados arranjos, em que, para lembrar Edgar Morin, a complexidade é inevitável.
Em seu conhecido profetismo, McLuhan, há mais de quarenta anos, já nos avisara de que as velhas dicotomias haviam chegado ao fim. Para ele, a era eletrônica, precursora da digital, traria a descompartimentação que, hoje, de fato, testemunhamos. Para o teórico canadense, “As grandes empresas não podem viver nos dias de hoje sem um senso altamente desenvolvido das artes. Elas são os sinais de alarme.
Todos os sinais de alarme do novo mundo estão presentes nas artes muito tempo antes que os rapazes do hardware os percebam. E assim as artes servem para fins de sobrevivência, fins de navegação, e, como tais, são indispensáveis mesmo nos níveis mais caseiros e humildes”. Os especialismos, sem uma boa dose de generalismo, não são mais que pontos desarticulados que conspiram impotentemente contra o caráter em rede da sociedade informacional e do conhecimento. Ver a floresta tornou-se, mais do que nunca, tão essencial quanto ver a árvore.
Assim, a, para muitos, “cultura inútil” das Humanidades vai reconquistando (se é que se pode falar aqui de reconquista) um lugar que se impõe, malgrado a visão utilitarista, no desenho de um novo paradigma. Não é por acaso, por exemplo, que vários gurus da gestão têm ido a Platão e a Shakespeare e que importantes executivos do Primeiro Mundo não abrem mão de ler o melhor da literatura universal. Dessa forma, poetas, músicos, historiadores, filósofos e artistas em geral começam a ser “ouvidos”, “corrigindo” a observação de Wittgenstein, nos meados do século 20, segundo a qual não ocorre ao homem contemporâneo que músicos e poetas tenham de fato algo a lhe ensinar, apenas algo para diverti-lo. Bom, parece que empresas inovadoras e de excelência vêm tentando corrigir o comentário do filósofo. A competitividade agradece, as Humanidades também.
Fonte: http://www.desafio21.com.br/
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